- Você não vai dormir? - Fazia essa pergunta à minha mãe há
mais de uma hora.
- Já estou indo, pode ir deitar, só vou ficar mais um
pouquinho.
Revirei os olhos, pois já tinha escutado essa resposta
milhares de vezes. Mas, ela continua lá, com os cotovelos apoiados na janela
observando os movimentos da rua. Ela estava tão perdida nos seus pensamentos
que nem percebeu que eu já estava deitada, com as luzes apagadas.
No quarto, o barulho do ventilador me induzia ao sono. Entre
um cochilo e outro, observava minha mãe. O que será que se passava na cabeça
dela? Ela olhava a rua, mas não parecia ver nada. Ela sonhava.
De repente, ela se virou e me deu um sorriso. Eu retribui
com o resto de forças que meu sono ainda não tinha levado.
Finalmente adormeci. Embalada pelo som do ventilador e a
lembrança do sorriso da minha mãe.
Estava pedalando por
um caminho simples do subúrbio, pedalando o mais rápido que podia. As casas
eram recortes de papelão, com arbustos em
plena floração idênticos na fachada. Queria desesperadamente voltar para a cidade, mas toda vez que
alcançava uma esquina e entrava em uma nova rua, era a mesma coisa, com a mesma
fileira de árvores na calçada e flores prateadas á direita do degrau de cada
porta.
Um murmúrio baixo
virou um estrondo alto. Olhei por cima do ombro e vi um caminhão dos correios
virar a esquia e vir para cima de mim. Eu não queria ser atropelada por um
motorista irresponsável, então fui para a direita, virando o guidão na direção
da beira da calçada. Em vez disso, minha bicicleta levitou e começou a flutuar
acima do veículo. Eu estava chocada demais para continuar pedalando, mas minha
bicicleta continuou indo em frente. Esse negócio de voar era sensacional!
O caminhão desapareceu
debaixo de um dossel de folhas cinza e, quando ressurgiu, havia uma mochila
xadrez branca e preta saindo para fora da janela do carona. Alguém deve tê-la
jogado no ar, porque ela voou para cima, direto na minha direção. A bolsa
raspou a minha roda da frente antes de despencar e aterrissar aos pés de uma
árvore. Eu me virei para dar uma ultima olhada, mas uma chuva de folhas me
atrapalhou.
Voar já não parecia
tão divertido.
Acordei de repente, sentindo minha cabeça latejar. Olhei
para o relógio. Droga. Estou atrasada para a escola.
Levantei, tomei um banho rápido e quando estava pegando meu
material, tive um deja-vu quando vi
minha mochila. Era a igual a do meu sonho. Estranho.
Peguei-a por baixo, e abri o zíper. Caiu um papel no chão.
Agachei-me para pegar, sentando no chão para ficar mais confortável para ler:
Querida,
Vou resolver o que
estava sonhando ontem na janela. Volto na hora do almoço. Te amo,
Mamãe.